sexta-feira, 25 de maio de 2012

Objetos - Arte Contemporânea

A difícil arte de se entender a arte contemporânea


Quem faz a obra de arte? O artista ou o espectador? O artista que lhe confere a intenção artística? ou o espectador que percebe a obra e no ato de percebe-la ele a interpreta, e nessa interpretação ele a cria? Mas essa criação é suficiente para definir a artisticidade de um objeto?

Quem nunca se surpreendeu ou detestou a arte contemporânea que atire a primeira pedra.





Brillo Box, Andy Warhol



A teoria da arte contemporânea não explica de forma sistemática, embora justifique, porque a Brillo Box de Warhol é uma obra de arte e a Brillo Box do supermercado não é… Voilá uma das diferenças fundamentais entre a arte contemporânea e a arte moderna e antiga. Sobre as duas últimas, havia uma teoria que dava conta de explicar o que era arte, o que não era, e os porques implicados nestas diferenças de estatuto. Porém, a partir da pop arte não mais havia na história da arte uma teoria que fosse eficiente na explicação do que era ou não arte e por que. A única explicação aceitável para a arte contemporânea era: isso é arte pois quem a fez quis que assim o fosse.











Um bom exemplo deste problema aparece na hipótese dos quadros vermelhos que Arthur Danto propõe em seu Transfiguração do lugar comum (Cosac & Naify). O filósofo coloca a coisa nos seguintes termos: imaginemos uma exposição composta por quadros vermelhos, cada um de um autor diferente e cada qual com seu conteúdo e conceito distinto. Ele analisa a partir daí questões como: a similitude entre 2 coisas não as torna coisas iguais, e muito menos não as torna uma imitação da outra (“Água benta não é somente água”, por exemplo). E por aí, como é possível assumir atitudes distintas em relação a qualquer objeto, mesmo que sejam terrivelmente idênticos na aparência (isso vem de Kant).



Danto fala:

“…a diferença entre arte e realidade seria menos uma questão das coisas em si do que das atitudes, e portanto não dependeria das coisas com que nos relacionamos, mas de como nos relacionamos com elas.”

“Parece agora que qualquer coisa pode acontecer no espaço delimitado do palco, imitação ou não da realidade, contínua ou descontínua em relação à vida, pelo simples fato de ocorrer, por assim dizer, entre parênteses, é arte.”

“… Assim como um homem é marido somente porque preenche determinadas condições definidas pelas instituições, ainda que seu aspecto exterior não o diferencie de qualquer outro homem. Isso nos trás de volta onde começamos…”

Parece que conhecer uma obra de arte contemporânea dependerá muito mais do que ela diz (silenciosamente e invisivelmente) ao observador do que como ela se apresenta. A obra de arte atual pode parecer qualquer coisa, menos arte (no sentido tradicional de quadros e esculturas, desenhos e objetos bonitos). Veja as imagens abaixo, são de Contención, a instalação de Geysell Capetillo, artista cubana convidada à 26a Bienal de São Paulo de 2004!





Capetillo, Contención 2003

O contrário também é verdadeiro. Ou seja, muitas vezes imagens e objetos com cara de obra de arte não podem ser considerados como tal, pois não foram realizados com aquela finalidade. A obra de Arthur Bispo do Rosario é um excelente exemplo: peças votivas e religiosas que o próprio Bispo negou serem obras de arte diversas vezes (pois sua finalidade era bem específica, serviriam de prova para seu reconhecimento ao Pai no dia de sua passagem). No entanto, depois de sua morte, tais peças foram assimiladas pela instituição Arte Brasileira e Bispo tornou-se um importante nome da arte nacional, sem nunca ter sido artista, sem ter feito sequer uma obra de arte…





Vitrine Bugingangas



Vitrine





Detalhe de uma Vitrine de Bispo



Adoro o caso de Bispo, amo suas imagens pois ele nos prova que nem toda boa imagem precisa ser considerada artística para ser realmente boa. Excelentes objetos e imagens podem pertencer a outro sistema distinto ao das artes. Como o sistema das imagens religiosas e de devoção (ao qual a obra de Bispo pertence) ou a uma série de outros como publicidade, pornografia, cultura popular, esoterismo, etc., que também produzem imagens tão interessantes como a arte, mas que não precisam ser rotuladas como tal para terem seu mérito. Costumo dizer aos meus alunos que, atualmente, não podemos acreditar que a maior ambição de uma imagem seja tornar-se uma obra de arte. Ou seja, ser uma obra de arte já não é mais o melhor bônus para as imagens contemporâneas. Vivemos no tempo das imagens, na cultura das imagens. Atualmente temos a chance de viver a experiência de interpretação de uma imagem de forma mais horizontal, sem colocar hierarquias e rótulos naquilo que se vê e se consome. Isso quer dizer que uma obra de arte tem o mesmo interesse e valor simbólico para cultura que uma peça de design, que uma ilustração publicitária, que um seriado de TV ou uma obra do folclore. Sim. Não estou falando de valor econômico e sim do valor enquanto objeto cultural, cada vez mais desaparecem os degraus entre as imagens.

Assim, algumas imagens da arte contemporânea podem nem ser tão interessantes do ponto de vista visual, pois a arte atual abre mão da estética, da estesia propriamente dita, para alcançar outros níveis de compreensão e reflexão, extrapolando o apenas visual.

Voltando ao Arthur Danto (Transfiguração…), mais uma vez o filósofo cria uma situação hipotética, falando agora das Gravatas azuis de Picasso, de uma criança, de Cézanne, e de um falsificador. Os objetos em discussão são 4 gravatas simples pintadas com tinta azul, as 4 são semioticamente idênticas entre si, não podendo ser distinguidas apenas pela observação.

A primeira foi feita por Picasso, e apesar de ter a aparência de uma gravata qualquer pintada de tinta azul, foi feita a partir de uma série de reflexões sobre a arte e as imagens e, além disso, terá a assinatura inquestionável de um grande artista, logo é arte e pronto. A segunda é uma gravata azul criada por uma criança, cuja mãe após visitar a exposição da Gravata de Picasso, indignada, propõe provar que aquilo não é arte e pede ao filho pequeno que faça uma gravata idêntica àquela. Será que isso é um elemento suficiente para se provar a autenticidade de uma obra de arte? Sim ou não? Por que?

Há ainda uma terceira gravata que, apesar de idêntica à gravata azul de Picasso e do menino, é uma gravata qualquer que Cézanne – outro grande artista – criou acidentalmente usando-a para limpar um pincel com tinta azul, a mesma que Picasso iria usar na sua obra-de-arte-gravata (imaginemos que fosse possível, por ordem de um acaso muito pouco provável, mas não impossível que estas duas gravatas fossem idênticas fisicamente, em todos os sentidos). Teríamos neste segundo caso um objeto qualquer que apesar de ter sido produzido por um grande artista, não pode ser considerado obra de arte pois não houve intenção de fazer arte no momento, acidental, de sua gênese! E temos ainda uma quarta gravata azul, esta criada por um habilidoso falsificador que percebe a polêmica das gravatas e se aproveita da situação criando um último objeto, tão paradoxal quanto os primeiros.

Vamos lá, mesmo que se possa identificar uma mínima diferença entre essas 4 gravatas, não saberemos ainda qual delas é uma obra de arte e qual não é. O que nos permite saber qual é a obra de arte, a provocação, a falsificação e a coisa qualquer é a história. O modo como o objeto surgiu no mundo.

Um objeto pode ser aceito como obra de arte numa determinada época e em outra não (exemplo: arte conceitual é aceita nos dias atuais, no século XV sequer seria percebida, o próprio desenho que hoje é uma linguagem artística das mais tradicionais que até o século XIX era um mero recurso para apoiar a pintura e a escultura) .

Também certas coisas podem ser aparentemente iguais e não dizerem a mesma coisa.

A gravata azul somente diz respeito a determinada ação (artística ou não) se estiver pressuposta à história casual correspondente à aquele assunto.

Quem vai dizer agora que a Brillo Box de Warhol não é arte?







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