quinta-feira, 24 de maio de 2012

Arte Popular do Brasil


Exposição “O Brasil na Arte Popular”

Discurso da Ministra Ana de Hollanda na abertura da exposição O Brasil na Arte Popular


Existem lugares no mundo onde é possível falar de uma “cultura popular”. No Brasil, não. Aqui, somos – e seremos sempre – obrigados a falar no plural: culturas populares.

Uma coisa foi o que aconteceu na solidão dos pampas, outra coisa foi o que aconteceu nas vastidões amazônicas. Uma coisa é o que vemos em meio à população ribeirinha, nas margens do Rio São Francisco. Outra coisa é que vemos nas terras de massapê dos antigos engenhos e canaviais que se estendem da Bahia a Pernambuco. Uma coisa é o que ouvimos no interior de São Paulo, com os sons que nos vêm da velha vida caipira. Outra coisa é o que ouvimos no sertão nordestino, ali pelas beiradas da Chapada do Araripe, entre a Paraíba e o Piauí, solo que viu brotar a sanfona de Luiz Gonzaga. Uma coisa é o que sentimos entre as montanhas de Minas, com seus brilhos barrocos. Outra coisa é o que sentimos no litoral do Rio de Janeiro.

E estes são apenas alguns exemplos. Poderíamos falar ainda das culturas do cerrado, do pantanal, do Paraná e de outros pontos de luz que configuram o mapa cultural de nosso país. Mas não é preciso multiplicar exemplos. Todos sabemos o quanto a nossa variedade cultural é espantosa. Ela vai dos cantos ensolarados das feiras populares do Nordeste à alegria colorida da periferia de São Paulo e aos tambores de São Luís do Maranhão. E se manifesta de mil formas, com materiais muito diversos, em objetos igualmente ou mesmo infinitamente variados. Na culinária, no artesanato, nas expressões místicas, no linguajar.

Não foi sem razão que uma das mulheres mais lúcidas e criativas da história da cultura brasileira, a arquiteta Lina Bo Bardi, achou que deveria estar, na produção do nosso artesanato, a inspiração norteadora para a criação de um desenho industrial brasileiro.

É uma dádiva. Premidos pelas necessidades da vida e premiados pelos acasos da história, construímos um elenco rico e forte de culturas populares. Para isso, convergiram, fundamentalmente, as nossas matrizes básicas de cultura. A matriz indígena, a matriz lusa e a matriz africana – para lembrar expressões caras ao nosso querido mestre Darcy Ribeiro. Mas não somente elas. Concorreram, também, para a pluralidade de nossas manifestações populares de cultura, as migrações. As vivências e visões de todos aqueles que um dia aqui desembarcaram, trazendo suas tradições.

E isto tem de ser estimulado, incentivado e financiado. Temos de apostar nessa variedade. Temos de apostar na criatividade técnica e estética de nosso povo.

Ao mesmo tempo, há uma outra coisa diante da qual não podemos deixar de nos maravilhar. É que a diversidade das nossas culturas populares poderia ser uma indicação segura de que teríamos uma nação culturalmente desconjuntada, formada pela mera justaposição de elementos estranhos entre si.

Mas não. O que impressiona é que a cultura brasileira, ao tempo em que é múltipla, é também una. Sabemos nos reconhecer em cada um de seus brilhos. Não só porque todos nos movemos ao abrigo da língua portuguesa, tal como ela é falada hoje, em todos os cantos do país. Mas, também, porque cada um de nós se sente, em primeiro lugar e acima de tudo, como brasileiro. Como pessoa feita do barro mesmo deste nosso país.

É isto que faz a nossa realidade presente. Assim como é esta a base de toda a nossa grandeza futura.

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