Ana Maria Menchik Bocchese
Resumo: O texto apresenta uma leitura de imagem referente à obra “Guernica” de Pablo Picasso. Enfatiza o contexto histórico bem como o período da História da Arte em que a obra e o artista estão inseridos e ainda a tendência artística utilizada na obra, enfocando também o bombardeio da cidade de Guernica, a qual acabou sendo o tema do mural elaborado por Picasso para o pavilhão da Espanha na exposição universal em Paris na primavera de 1937.
Contexto histórico/ Modernismo / Cubismo
O século XX é um dos momentos mais conturbados e agitados da história. É neste século que acontecem grandes descobertas e algumas conquistas e tragédias como duas guerras mundiais, invenção do avião, foguetes, a chegada do homem à lua, avanços na medicina, aparecimento de doenças , e a revolução causada pela informática. Tudo isso acontecia e passava a ser divulgado pelos meios de comunicação, causando influência na sociedade e também no artista moderno que a tudo vê com o seu olhar sensível expressando tudo em sua arte.
O artista moderno não se preocupa em ajustar-se às múltiplas tendências apresentadas pela arte. Ele busca novas formas e diferentes meios e materiais, superfícies e técnicas para satisfazer sua capacidade e necessidade de criação e expressão. Ele não está mais preso ao registro realista, pois agora a fotografia cumpre essa função. A maior importância é dar “asas à imaginação”, à criatividade e à livre expressão. O artista quer libertar-se dos conceitos aprendidos nas academias de arte. Assim vários estilos surgem na mesma época e inclusive no mesmo lugar.
Podemos dizer que é no Modernismo que surge uma nova visão de arte com um conjunto de movimentos artísticos que romperam definitivamente com o estilo acadêmico. É no Modernismo que o artista terá maior liberdade de expressão e experimentação tanto no desenho como na pintura, na escultura, na arquitetura, na música e em tudo onde há arte. O artista não está mais preocupado em ser fiel ao objeto retratado, mas em como ele enxerga este objeto.
Um dos movimentos artísticos que envolveram o Modernismo foi o Cubismo. O artista cubista transforma paisagens, pessoas e objetos em formas geométricas, desenhando-os como se fossem vistos em vários ângulos ao mesmo tempo. Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963) que criaram o novo estilo artístico que rompeu com a idéia de arte como imitação da natureza abandonando as noções tradicionais de perspectiva. Eles procuravam novas maneiras de retratar o que viam e com a influência de Cézanne, (artista pós-impressionista), valorizam formas geométricas e retratam objetos como se eles estivessem fragmentados. É como se o artista visse esse objeto em vários ângulos ao mesmo tempo, mas representados em um mesmo plano. Estamos falando doCubismo Analítico,porque analisava as formas dos objetos, partindo-os e espalhando-os na tela. É quando haverá predominância de poucas cores (preto, cinza e tons de marrom e ocre), a fim de analisar a forma sem distração de cores.
No Cubismo Sintético, o artista tenta fugir um pouco da fragmentação, pois ficou quase impossível de reconhecer os objetos retratados justamente devido à fragmentação excessiva. Agora o artista procura recuperar um pouco a imagem real tornando as cores mais fortes e as formas mais decorativas. Aparece também o uso da colagem de elementos como letras, números,pedaços de jornal, vidros, madeiras e etc. É o surgimento de uma nova forma de arte chamada colagem, inventada por Braque e Picasso. No “Bandolim”, por exemplo, Braque demonstra o instrumento de cordas para recompor ou “sintetizar”, suas linhas estruturais essenciais em papel corrugado e pedaços de jornal. Segundo Picasso, o cubismo...
“... não é uma realidade que se possa pegar com as mãos. É mais do que perfume (...) O aroma está em todo lugar, mas não se sabe bem de onde vem.” (STRINKLAND, p. 138)
A vida de Pablo Picasso
Em 25 de Outubro de 1881, nasce em Málaga, Espanha Pablo Ruis Picasso, filho de Dom José Blasco e Maria Picasso Lopes.
“Quando eu era criança, minha mãe me disse: ‘Se você for soldado, será um general. Se você for padre, vai acabar sendo papa’, em vez disso, tornei-me pintor e acabei sendo Picasso.” (STRIKLAND, p. 136)
Seu pai era desenhista, sua mãe grande incentivadora, desde berço ele esteve envolvido no meio artístico. O resultado disso foi o “gênio do século” das artes plásticas e fundador da arte moderna, afinal construiu o maior e mais rica obra de toda História da Arte. Aprendeu a desenhar antes de aprender a falar. Suas primeiras palavras, aos dois anos, foram “lápis, lápis”. Produzindo desde os oito até os noventa e um anos de idade, foi pintor, desenhista, gravador, litógrafo, ceramista e escultor. Além de expressar “a voz da sociedade”. Foi inovador e irreverente, fiel às próprias emoções, cada fase de sua pintura indicava um estado de espírito. É impossível rotular o artista, quanto ao estilo, pois, nas suas obras encontra-se uma constante transformação. No início, nota-se que em suas obras está presente o gosto da época, realistas, estilo bastante homogêneo com temática moral e religiosa. Mais tarde observa-se diversas fases pictóricas como o período azul, período rosa, período negro, período cubista, classicismo e surrealismo.
O período azul (1901-1904) : É um mergulho na tristeza, dor e miséria, pois era ainda pobre e desconhecido. Esta fase é assim chamada porque em suas obras predominava o tom azul índigo e cobalto.Trabalhava sem reconhecimento, alongando os membros de figuras “ossudas”, transformando os motivos da realidade social em reflexões gerais sobre a vida, ao mesmo tempo em que reflete a sua situação pessoal.
A tragédia-Pablo Picasso/1903
O período rosa (1905-1906): Aconteceu quando se mudou para Paris e encontrou seu primeiro amor, Fernande Oliver, fazendo com que terminasse com a sua depressão . Suas obras ganharam suavidade e personagens cercados por um clima de ternura, passando a usar cores rosadas e tons de terra, mostrando artistas de circo, arlequins e acrobatas. São imagens românticas e sentimentais. A técnica utilizada é menos rígida, com maior agilidade nas linhas e sutis deformações.
Famille-de-saltimbanques
O período negro (1907-1908): Este período encerra drasticamente o anterior, pois foi quando descobriu a força das máscaras abstratas africanas colocando esses elementos em sua arte. É quando ele enfoca o fascínio pela escultura negra e ibérica. São formas ousadas, potentes e expressivas.
Período classicismo e surrealismo (1966-1936): Além de elementos da cultura clássica, agora o arista utiliza um novo instrumento - a fotografia. Produz um gênero particular de trabalho discordando com os padrões clássicos tradicionais europeus. Os corpos fogem ao equilíbrio, com formas quase monstruosas.Participou também da primeira exposição surrealista em 1925. Apesar de conviver com alguns artistas surrealistas como Matisse (com o qual nunca se entendeu) e também impressionistas, o fato é que não se considerava parte do grupo. Logo depois segue seu próprio caminho, dedicando-se também à escultura.
Depois da Primeira Guerra Mundial, experimentou variados estilos. Se um dia ele desenhava figuras realistas, no outro ele desenhava figuras violentamente distorcidas. Picasso resumiu sua carreira nas palavras: "Adoro descobrir coisas". (STRIKLAND, P.137).Como Gertrude Stein disse: "Somente ele, entre todos os pintores, não colocou problema de expressar verdades para o mundo inteiro ver, mas a verdade que só ele podia ver". (STRIKLAND, P. 137)
Picasso possuía temperamento forte, ousado, audacioso, sincero e extravagante. Teve muitas mulheres, alguns filhos. Há quem diga que ele não tem necessidades principais, só sente necessidade de uma coisa: pintar, tendo uma mulher no quarto ao lado. Seu vizinho certa vez comentou com rancor: Picasso era um porco. Vivia na sujeira e na desordem (...) Quando ele foi embora,o pessoal da limpeza teve de desmontar portas e janelas, pois ele tinha pintado e gravado em tudo."(MEMÓRIAS DE PICASSO, p. 31)
Em sua casa havia uma "grande lei". Não mexer em nada! Cada coisa tinha o seu lugar, até mesmo seu revestimento próprio de pó. Esta lei não se aplicava às crianças e nem aos animais. Para Picasso, as crianças poderiam mover qualquer coisa, até mesmo suas telas e ele não se importava. Ele amava as crianças, e dizia que elas tinham nascido para correr livremente. Enquanto as crianças brincavam sem parar e os cachorros e as cabras se divertiam ao redor da casa jamais havia uma palavra de advertência ou punição.
Picasso morreu em 1973, deixando uma fortuna avaliada em 300 milhões de dólares, dos quais 250 milhões em obras de arte. Sua herança foi dividida entre a última esposa. Jaqueline Roque e seus filhos Maya, Claude, Paloma e seus netos Marina e Bernard (filhos de Paul Picasso, o primeiro filho de Picasso já falecido);
Pablo Picasso não pertenceu a qualquer outra escola. Ele é Picasso, aquele que absorve sua época pelos olhos e o restitui pintando uma, duas, três telas por dia, e fazendo-se também gravador, escultor, ceramista, sem jamais abandonar o desejo incontrolável de "fazer sempre o melhor".
A obra
“Guernica” (nome dado por Picasso , mesmo nome da cidade destruída) foi encomendado pelo governo republicano espanhol, que desejava um mural para o pavilhão da Espanha na exposição universal que deveria inaugurar-se em Paris, na primavera de 1937. Apesar de ser republicano, faltava-lhe o tema exato para o mural encomendado. Após o bombardeio, em 26 de abril, encontrou o tema, mergulhando em seu objetivo, que durou três meses, e que certamente lhe lavou a alma!
Os fatos que antecederam o bombardeio de Guernica, ocorreram como se estivessem dentro de uma panela de pressão, até explodir com a devastação da cidade. Aconteceu que em 1931 a constituição havia feito da Espanha uma “república democrática dos trabalhadores de todas as classes” Drásticas reformas haviam sido planejadas, porém não chegou a efetivar-se,, pois houve muita violência generalizada com greves e rebeliões. Consistiam em reformas que ainda em nossos dias certamente seria de difícil aceitação, naquela época,mais ainda, realmente não houve chance de efetivar-se. A reforma compreendia em separação entre a igreja e estado, regime parlamentarista, votação extensivo às mulheres e aos soldados, autonomia regional para o país Basco e a Catalunha. Os títulos de nobreza foram abolidos e implantou-se o divórcio. Uma lei agrária, de 15 de setembro de 1932, autorizou a desapropriação dos latifúndios, dentre outras.
Em fevereiro de 1936, a frente popular de esquerda, venceu as eleições e reconduziu Azaña ao poder. As reformas sociais se chocavam com os interesses dos setores mais conservadores, que também foram atingidos por ocupação das terras pelos camponeses, incêndios de instituições religiosas e destruição de jornais de oposição. O assassinato do líder monarquista Calvo Sotello, em 13 de Julho de 1936, aprofundou a crise.
O exército se colocou completamente oposto ao governo republicano. Em 1936 os generais Emilio Mola, Francisco Franco, José Sansurjo (líder da rebelião), Joaquim Fanful, José Enrique Varela e outros se reuniram para investigar a possibilidade de sucesso, em caso de um golpe.
Os republicanos esperavam ajuda da França e do Reino Unido, mas ambos os países sustentaram uma política não-intervencionista, talvez por medo de uma guerra generalizada. A maior ajuda veio da União Soviética, que a partir de outubro de 1936 enviou tanques, aviões, assessores técnicos e material militar. O México também concedeu alguma ajuda e um comitê reunido em Paris organizou o recrutamento de voluntários para formar as Brigadas Internacionais. Finalmente, em abril de 1937, aviões alemães, em apoio aos nacionalistas, bombardearam a cidade basca de Guernica, palco da maior tragédia de guerra civil, numa demonstração de força que provocou revolta na opinião pública mundial. A guerra civil espanhola custou mais de meio milhão de vidas somente em combate, sem contar os que morreram de fome, desnutrição e doenças provocadas pela guerra.
Em outras palavras, durante a guerra civil espanhola, o ditador fascista Francisco França fez um acordo com a Lüftwalfe, (nazista) para destruir a cidade de Guernica, que foi bombardeada pelos nazistas como sinal de apoio ao general espanhol Francisco Franco, que lutava contra a República Espanhola. Em 26 de abril de 1937, um bombardeio que durou três horas, dois mil civis foram massacrados. Milhares de inocentes morreram ou ficaram feridos, a cidade foi arrasada! Picasso tem mais do que motivo para revoltar-se, ficou furioso, tomado de ódio patriótico, utilizou sua arte e seu talento para realizar o seu protesto. Resultou numa obra que mostrou o quanto a guerra é fútil.
Observamos na obra “Guernica” grande parte da revolta do artista. A presença do cubismo é visível, a utilização de cores escuras e várias expressões transmitindo a sua fúria. Ele também utilizou o tamanho. A obra é enorme, é um mural de 6,50 metros de largura por 2,80 de altura. É considerada a mais forte denúncia dos horrores da guerra. Conforme ele mesmo dizia: “A pintura não é feita para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra, de ataque e defesa frente ao inimigo”. Essa afirmação demonstra um conceito de arte bem diferente do que ainda hoje se têm, enquanto que na verdade a arte não tem o compromisso de ser “bela” ou “decorativa”, pelo menos, não no Modernismo e muito menos para Picasso. A arte é o conhecimento elaborado historicamente, que traz culturalmente a visão particular do artista e um olhar crítico e sensível sobre o mundo que esse artista está inserido.
Picasso incorporou certos elementos do desenho para criar um efeito de angústia. Usou um nuance branco-cinza para enfatizar o desespero e distorceu propositalmente as figuras para transmitir violência. As linhas quebradas e os planos fragmentados do cubismo mostram temor e confusão,enquanto o formato em pirâmide segura a unidade da composição. Alguns símbolos de Picasso, como o guerreiro morto com a espada quebrada, implicando derrota, não são difíceis de decifrar. A única explicação de Picasso para outros símbolos era: “O touro não é o fascismo, mas brutalidade e escuridão... o cavalo representa o povo”.
Certamente a fúria de Picasso era bem maior do que vemos expressa em “Guernica”. Guernica é a expressão do mais trágico protesto, reúne em si temas diversos de períodos procedentes da produção do pintor, como o Minotauro e a corrida, e é o marco inicial da fase mais sombria e violenta de sua pintura.
A tela está exposta atualmente no centro Nacional de Arte Rainha Sofia, em Madrid.
Nesta obra está simbolizada com intensa dramaticidade, através de figuras contorcidas, disformes e dissecadas, a destruição de vidas e de uma civilização! É sem dúvida a obra mais importante de Picasso!
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