domingo, 30 de outubro de 2011

Análise da obra: A Fonte

Este texto foi postado por Tony Bellotto. Achei muito bom e por isto estou colocando aqui para vocês.Façam uma boa leitura!!!


A mijada de R. Mutt

A Fonte é o nome daquele mictório – também conhecido como mijadouro ou urinol em português castiço – alçado à obra de arte revolucionária pelo gênio, visão, oportunismo e imensurável senso de humor de Marcel Duchamp. Leio numa matéria da Economist traduzida pela Carta Capital que alguns críticos a consideram a obra de arte mais importante do século XX. O francês Duchamp, como se sabe, já era um pintor e escultor razoavelmente conhecido aos trinta anos, em 1917, e integrava o conselho da Sociedade de Artistas Independentes.
Naquele ano a sociedade organizava uma grande exposição nos Estados Unidos e Duchamp decidiu inscrever uma obra na mostra, aproveitando um hábito que desenvolvera nos últimos tempos e que alguns amigos interpretavam como simples brincadeira: a utilização de material de uso comum em suas esculturas. Foi assim que “assinou” um prosaico mijador com o pseudônimo – ele sabia que todo mundo consideraria aquilo uma piada – de R.Mutt, mais a data, 1917, batizou-o como A Fonte e o inscreveu na exposição.
O urinol foi obviamente vetado pelo conselho, que não enxergou ali nenhum trabalho artístico, e Duchamp, em protesto, se demitiu. A história rendeu algumas notas na imprensa americana e o mijador acabou esquecido, jogado nalgum lixão obscuro ou mesmo destruído. Não se sabe ao certo que melancólico fim levou a obra mais importante do século XX. Nasceu ali, talvez sem que o próprio Duchamp se desse conta, o conceito de ready-made, que revolucionaria a arte contemporânea. Mas a percepção da importância da Fonte como um novo conceito de arte, em que a ideia vale mais que o objeto que a expressa, chegaria mais tarde, e só trinta anos depois o urinol assinado por R. Mutt tornou-se, enfim, um objeto cobiçado e valoroso.
Em 1964 Duchamp decidiu repetir o gesto artístico que o consagrara – comprar mijadouros em lojas de construção – e nove Fontes foram distribuídas a museus e acervos. A ironia, grande piada e fabulosa sacada de Duchamp é que os mijadores de porcelana barata comprados por um punhado de dólares tornaram-se, depois de assinados por R.Mutt, obras orçadas hoje em dia em alguns milhões de dólares, cada uma. Tudo isso porque Duchamp pensou no mijador como arte. Teria se inspirado num momento de devaneio durante uma prosaica mijada?

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